A respeito da propaganda de bebidas alcoólicas
Elaborado em 11/2002.
Propagandas
de bebidas alcoólicas, principalmente as de cerveja, seguem uma receita clássica: festas agitadas, pessoas (geralmente
jovens) divertindo-se e muita cerveja.
Vende-se
a imagem de que apenas com a soma destes
elementos seria assegurado o resultado almejado em uma festa, ou seja, a
garantia de diversão. É como se, onde houvesse festas e pessoas, fosse
obrigatória a presença das bebidas alcoólicas.
Em
uma reunião técnica promovida pela OMS (Organização Mundial de Saúde) em
Valência, Espanha, de 7 a 9 de Maio último, que dedicou-se a analisar a
situação do marketing e promoção de bebidas alcoólicas aos jovens, estiveram
reunidas 50 pessoas de 22 países, entre especialistas em marketing, saúde
pública e comunitária, jovens dedicados à prevenção
de abuso de substâncias e outros.
Técnicos
presentes nesse encontro produziram e apresentaram à imprensa em Valência uma
declaração que fornece recomendações à OMS sobre a situação global da propaganda de álcool e ações a serem tomadas. Segundo esse
documento, jovens no mundo todovivem em
ambientes que caracterizam-se por esforços agressivos e intensos para encorajar
não só que eles iniciem o beber, mas também que bebam pesadamente. A propaganda
de álcool vinculante no Brasil confirma plenamente a afirmação acima citada,
evidente no uso praticamente exclusivo de modelos jovens para vender seus
produtos ou ainda no desenvolvimento de novos produtos alcoólicos voltados
especificamente ao público jovem, etc.
Ainda
segundo esse mesmo documento, exemplos do mundo inteiro mostraram que, cada vez mais, a indústria do álcool utiliza-se da
associação de seus produtos com eventos esportivos, musicais e culturais, entre
outros, para apresentar as bebidas alcoólicas como uma parte normal e integral
das vidas e da cultura dos jovens. E o fato é que as pesquisas apontam que os
jovens tendem a responder a esse marketing agressivo em um nível emocional,
mudando suas crenças e expectativas em relação ao beber. A exposição e a
apreciação que os jovens desenvolvem pelas propagandas do álcool predizem um
beber mais freqüente e pesado por eles. O marketing contribui para os jovens
superestimarem a prevalência do beber pesado e freqüente por seus pares e cria
um clima que aumenta ainda mais o consumo de álcool pelos jovens.
Dos
modelos de propaganda apresentados nessa conferência, os exemplos brasileiros
chamaram a atenção, principalmente por dois pontos. Um deles é a agressiva
utilização da sexualidade nas propagandas, especialmente no caso da cerveja. O
código do CONAR (Conselho de auto-regulamentação
publicitária), instituição representante do setor publicitário, e que determina
regras para a propaganda de todos os produtos, deixa claro que a propaganda de
álcool não deve ser associada à sexualidade. Logo, a indústria de propaganda de
álcool está desrespeitando seu próprio código.
Porém, mais preocupante que o uso agressivo de
sexualidade é a utilização do Brasil e de símbolos nacionais para promover a
venda de álcool. Como não poderia deixar de ser, o exemplo mais evidente dessa
técnica vem da indústria de cerveja, que é responsável por 85% das bebidas
alcoólicas consumidas no Brasil. Tome-se por exemplo a tartaruga, apresentada
por uma das marcas de cerveja como "torcedora símbolo da nação
brasileira", o que é, no mínimo, um insulto à população brasileira.
Será
que, baseando-se no art. 67 do nosso Código de Proteção e Defesa do Consumidor,
que classifica como infração penal fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria
saber ser enganosa ou abusiva não caberia uma apenação às indústrias de bebidas
alcoólicas?
A
maior parte de nossos juristas acha que não; estes não classificam as
propagandas de bebidas alcoólicas como sendo enganosas ou abusivas,
consideram-nas "apenas" indutivas.
Ora,
sendo estas indutivas, cabe a tais casos a aplicação do art. 37 deste mesmo
Código de Proteção e Defesa do Consumidor, que diz que é proibida toda publicidade
enganosa ou abusiva, e salienta, no § 2º, que é abusiva, dentre
outras, a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à
violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento
e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de
induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua
saúde ou segurança. É do conhecimento de todos os danos causados pelo
consumo de bebidas alcoólicas.
Segundo
dados, 18 em cada 100 brasileiros adultos são dependentes de álcool, o hábito
de beber entre crianças e adolescentes é cada vez maior, 75% dos acidentes
fatais de trânsito são associados ao uso excessivo de álcool (em torno de 29
mil mortes por ano) e cerca de 40% das ocorrências policiais relacionam-se ao
abuso de álcool.
Se
não bastassem estes alarmantes números, o que dizer da agressão à saúde do
indivíduo, acarretando problemas neurológicos (como demência alcoólica, derrame
cerebral, traumas cranioencefálicos, distúrbios neuropsiquiátricos, abstinência
alçoólica com mortalidade de até 30% e coma hepático); pancreatite, cirrose,
gastrite, úlcera péptica, hipertensão arterial, arritmias cardíacas,
miocardiopatia alcoólica, infarto do miocárdio, desnutrição, infecções como
meningites, pneumonias, abscessos pulmonares, peritonites; e câncer do trato
respiratório e gastrointestinal, patologias essas que fazem parte do dia a dia
dos médicos que trabalham em Pronto Socorro, e que acarretam um aumento da
mortalidade geral de quatro vezes, e um gasto extraordinário em internações
decorrentes do uso abusivo de álcool, segundo o Ministério da Saúde R$ 310
milhões nos últimos três anos.
A
indústria do álcool e da propaganda desempenha um papel irresponsável no
Brasil, pois, ao associar as bebidas alcoólicas exlusivamente a momentos
gloriosos, à sexualidade e a ser brasileiro, cria um clima normatizador. Devem
ser tomadas providências para lidar com esse grave problema de saúde pública.
http://www.bonstutoriais.com.br/31-propagandas-criativas-de-bebidas-alcoolicas/