A propaganda de bebidas alcoólicas no Brasil
Escrito em 14 abril,
2013
Por Ilana Pinsky
Psicóloga, pós-doutorada na Robert Wood
Johnson Medical School (EUA) e integrante da Unidade de Pesquisa em Álcool e
Drogas da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP
A propaganda de
bebidas alcoólicas no Brasil é regulada pela lei n. 9,294, de 1996. Segundo
essa lei, que também regulamenta os cigarros, entre outros produtos, bebida
alcoólica é somente aquela com mais de 13 GL, ou seja, exclui cervejas e
vinhos. A principal restrição que apresenta é a redução do horário de
propaganda na televisão e no rádio permitindo propagandas de álcool entre 21:00
e 6:00 horas. No entanto, as chamadas, propagandas de uns poucos segundos, são
permitidas a qualquer horário. A partir de 2000, uma nova lei (n.10.167), foi
sancionada que praticamente proibiu qualquer propaganda de cigarro (exceto
dentro dos locais de venda). Apesar de essa proibição não atingir as bebidas
alcoólicas, o clima político parece ter se alterado um pouco, tanto que em
janeiro de 2002 havia mais de 50 projetos de lei propondo maiores restrições às
propagandas de álcool.
No início de 2003, o
governo pareceu mais consciente do que nunca sobre a importância de introduzir
restrições mais profundas com a intenção de reduzir os problemas relacionados
ao consumo de bebidas alcoólicas. No que diz respeito às propagandas de álcool,
o ministro da saúde propôs a inclusão das cervejas na restrição de horário de
veiculação.
A cerveja possui
papel de destaque entre as bebidas alcoólicas consumidas no Brasil. Dos cerca
de U$ 106,000,000 gastos em propaganda de álcool na mídia em 2001, 80% foi em
cerveja. Da mesma maneira, o consumo de cerveja representa 85% das bebidas
alcoólicas consumidas. Apesar de essa quantidade ser muito menor se levarmos em
conta apenas o álcool puro das bebidas alcoólicas, a cerveja certamente é uma
bebida alcoólica e tem um papel importante em muitos dos problemas relacionados
ao álcool, principalmente no que diz respeito aos jovens.
Os números de
problemas associados ao álcool no Brasil não deixam dúvida quanto ao potencial
devastador deste, principalmente junto aos jovens. Em acidentes com motoristas
alcoolizados, episódios de violência relacionado ao álcool, intoxicação
alcoólica, etc., os jovens têm uma participação importante e início cada vez
mais precoce. As propagandas e marketing das bebidas alcoólicas no Brasil são
parte integrante da criação de um clima normatizador, associando-as
exclusivamente a momentos gloriosos, à sexualidade e a ser brasileiro,
esquecendo-se dos problemas associados.
Restringir a
propaganda de álcool é uma estratégia importante? Estudos recentes e utilizando
metodologia avançada têm conseguido mostrar associações importantes entre a
propaganda de bebidas alcoólicas e o consumo de álcool entre os jovens. Uma das
pesquisas mais interessantes comprovou o impacto que apreciar propagandas de
cerveja aos 18 anos tinha sobre o consumo de álcool e o comportamento agressivo
relacionado ao uso de álcool aos 21 anos. Outro estudo dirigindo-se à faixa
etária dos 10-17 anos encontrou que gostar da propaganda e assistir a
propagandas com maior freqüência associou-se com a expectativa de beber mais no
futuro. Além disso, muitos dos jovens entrevistados sentiram que as propagandas
de álcool os encorajavam a beber, especialmente os meninos de 10-13 anos, que
aceitavam as propagandas como realísticas.
No entanto, qualquer
pessoa que já tenha assistido a alguma propaganda de álcool na televisão
brasileira, verifica a agressiva utilização da sexualidade nas propagandas,
especialmente no caso da cerveja. Também é fácil verificar que os (muito)
jovens são certamente alvos das propagandas, com temas evidentemente voltados a
eles (ex: desenhos animados, festas rave, etc.). Além disso, as indústrias têm desenvolvido
produtos voltados a essa faixa etária (os produtos “ice”, destilados misturados
com refrigerantes ou sucos), e oferecido patrocínio a festas exclusivamente
desse público-alvo (ex.: Skol Bits). Mas tão importante como as estratégias
descritas acima, é a utilização do Brasil e de símbolos nacionais para a venda
de álcool. Um exemplo bem recente e evidente dessa técnica ocorreu durante [a
realização] Copa Mundial de Futebol, com a criação de uma tartaruga de desenho
animado associada a uma marca de cerveja que foi denominada a “torcedora
símbolo da seleção brasileira”. Algumas marcas de cachaça também têm se
utilizado de características fortemente brasileiras, como o samba, para vender
seus produtos.
Esse tipo de
associação das bebidas alcoólicas com o que temos de mais característico no
nosso país normatiza o álcool. Em especial, esse é mais um exemplo de como a
propaganda do álcool mostra apenas uma face do uso do álcool, esquecendo ou
associando à uma minoria de “pessoas problemáticas” sua importante contribuição
para a morbidade, mortalidade e prejuízos sociais, inclusive no que se refere a
criar um ambiente hostil e ridicularizador às mensagens e medidas de saúde
pública.
Por que essa situação
é importante? Um fator é a virtual inexistência de contrapartida da indústria
do álcool no Brasil, no que se refere ao desenvolvimento de atividades sérias,
coerentes e efetivas de prevenção ao abuso do álcool. Com exceção de uma
atividade de pequenas proporções desenvolvida por uma das maiores indústrias de
álcool no Brasil, a indústria como um todo não dá sinais de reconhecer sua
responsabilidade social, nem para fins de relações públicas. Ou seja, a
indústria das bebidas alcoólicas não assume e não se responsabiliza por
qualquer tipo de problema relacionado ao álcool.
A indústria do álcool
e da propaganda no Brasil não estão, nem de longe, desempenhando um papel
responsável nessa situação. Medidas claras devem ser tomadas para lidar com
esse importante problema de saúde pública.
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